quarta-feira, 27 de agosto de 2008

ASPECTOS DA EXISTENCIA HUMANA: O MAL E A FELICIDADE EM SANTO AGOSTINHO


ASPECTOS DA EXISTENCIA HUMANA: O MAL E A FELICIDADE EM SANTO AGOSTINHO

Entre a Antiguidade e o Renascimento o mundo passou por um período intitulado Idade Média, considerado por alguns como o período das trevas,baseado na fé detrimento da razão, título pejorativo muito empregado para designar a rigidez e o autoritarismo da época. Para outros a Idade Média não foi assim tão nefasta:Muitos pesquisadores da Idade Média a consideram um período de ‘mil anos de crescimento’,já que entre muitos feitos desse período pode-se citar o das principais colegios ligados aos conventos e mosteiros até das primeiras universidades comandadas pela igreja e a divisão das áreas do tal como até hoje.
É nesse período também que surgem alguns dos principais filósofos, ícones de seu tempo que nos dias atuais se fazem pertinentes, devido a grande contribuição ao conhecimento acumulado historicamente.
A questão religiosa na Idade Média foi o escopo de boa parte da história. A Igreja, afetada pelo dualismo que remonta a Platão, então diz a validade no conflito entre sofrer e agir, Deus e Satanás, a salvação ou mal eterno. O mal era corpo( aos inexistente) moral quanto físico e isso leva ao sofrimento . Por isso a sociedade medieval foi marcada pelo medo do pecado, entre a apreensão do bem transcendente que vem de Deus e o mal do fazer humano.
Santo Agostinho foi um dos grandes pensadores desse período. Influenciado pela filosofia helenística,pela via de Platão e Plotino, pelo ceticismo e o estoicismo e mais tarde convertido ao cristianismo, mostrou-se muitas vezes à frente de seu tempo, apesar de seu envolvimento nas controvérsias teológicas de sua época, contribuindo muitas vezes para lhes dar forma. Seus estudos sobre o bem e o mal foram a base para posteriores teorias, contribuindo assim para uma nova forma de compriender Deus, sua criação e entrada do mal no mundo.

O PREÇO DO MAL E DA FELICIDADE.

Antes de aderir fielmente ao cristianismo, Agostinho foi muito envolvido pelos Maniqueus que “sustentavam que Deus falava diretamente à alma, através de sua Palavra, iluminando-a de tal sorte que os iluminados podiam vê-lo”. (EVANS, 1995,p.23). O autor do livro para a seita manequeista,havia uma separação irreconsiliavel entre o bem eo mal:,dado que o bemé associado à alma ,e o mal à matéria,ao corpo.


Durante muito tempo Agostinho tornou-se um ouvinte da teoria maniqueísta, já que os mesmos, na época ofereciam a ele uma resposta razoável ao problema que já o intrigava: o problema do mal. Agostinho também atribui sua união aos maniqueístas ao seu puritanismo juvenil, a sua vaidade intelectual, como fala Evans:


Vê-se de maneira muito clara a atração principal que tiveram os maniqueus sobre ele. Apelaram à sua vaidade intelectual. Sendo seita austera, e até obscurantista ofereceram-lhe um meio de mostrar que ele era diferente do tipo comum; ofereceram-lhe também um caminho que não exigia dele atribuir autoridade a quem quer que fosse: deram-lhe a satisfação de que ele tinha encontrado e sustentado a solução por sua própria perspicácia. (EVANS, pág.31, 1995).


Foi o encontro com o bispo dos maniqueus que fez Agostinho desencantar-se com a seita, sendo que o bispo mostrou-se incapaz de fornecer respostas para as indagações de Agostinho, como ele próprio explica:

Apliquei, então, energicamente as minhas faculdades críticas para ver se de alguma forma poderia, com argumentos decisivos, provar que os maniqueístas estavam errados. Se a minha inteligência pudesse conceber uma substância espiritual, imediatamente se apagariam e seriam extirpadas de minha alma todas aquelas invenções.Mas não podia. Entretanto, quanto mais meditava, avaliando e comparando as teorias acerca do mundo físico e de toda a ordem natural acessível aos sentidos do corpo, mais e mais me convenci de que numerosos filósofos sustentavam opiniões muito mais prováveis que as deles. (AGOSTINHO, pág.14, 1986).


No entanto este fato não o destituiu da busca de entender o problema do bem e do mal.Influencido pelos estóicos..
Agostinho passou a observar mais a fundo sua alma e descobriu uma grande complexidade, fato que não recebia explicação pela teoria maniquéia. Deu-se conta de que sua razão também era insuficiente para alcançar a verdade que buscava, entristeceu-se e passou a pedir ajuda divina para suas indagações, (EVANS.1995.pg.34). Assim Agostinho começa a converter-se a fé cristã.
O mal, detectado ainda em sua infância e juventude libertina e nos preceitos maniqueístas, seria explicado agora através de outros olhares, de outras experiências. Para tanto obteve ajuda de Ambrósio “o príncipe unificador” (EVANS.1995,pg.40), de sua convivência com Santo Ambrósio, coube-lhe a experiência de aprender mais da verdade que tanto buscava. Segundo Evans:

Ambrósio foi capaz de ligar o conhecimento de Agostinho dos filósofos com o ensinamento da Escritura.
...ofereceu a Agostinho um relato da criação do mundo em que se uniam filosofia e cristianismo.
...Á luz do que Ambrósio era capaz de dizer sobre estes assuntos, o cristianismo não mais pareceu a Agostinho ser credo para simplórios. Tornou-se-lhe o sistema dos sistemas... e ajudou-o na solução do problema do mal.(EVANS, 1995, pág.40/41).

Ao tornar-se cristão Agostinho não se afasta da filosofia, afinal ser filósofo é ser amante da sabedoria, é buscá-la a qualquer preço. Como cristão e filósofo Agostinho adere-se a escola platônica, pois acreditava ser a mais próxima da verdade cristã. (EVANS, 1995). Afinal:

Se a sabedoria é o próprio Deus, então o filósofo é amante de Deus, mas nem todos os filósofos são amantes da verdadeira sabedoria, e, sendo assim, devemos selecionar aqueles cuja compreensão do que buscam seja a mais próxima da verdade cristã. (EVANS, pág. 46, 1995).


Abandonando os pressupostos do materialismo filosófico, reforçado pela união ao maniqueísmo, Agostinho volta-se para o Problema do Mal, já que visão maniqueísta do mal, como uma conseqüência do estado de guerra entre o Princípio das Trevas e o Princípio de Luz não lhe satisfazia. Fosse pelos sermões de Ambrósio ou por sua própria leitura e interpretação, ouviu que “o livre-arbítrio da vontade é a razão pela qual praticamos o mal e sofremos a justa punição [imposta por Deus]” (MÄRZ, 1987, pág. 24). Contudo, ele dizia que não conseguia entender essa idéia. Agostinho perguntava-se:

Quem me criou? Não foi o meu Deus, que é não só bom, mas a suprema Bondade? Donde me veio, então, o impulso para querer o mal e não querer o bem? Seria para fornecer uma razão que justifique o fato de eu sofrer uma punição?... Se for o diabo o responsável, donde foi que ele veio? E se, por uma decisão de sua vontade perversa, se transformou de anjo bom que era em diabo, qual é a origem dessa vontade má que dele fez um diabo, quando um anjo é inteiramente obra de um Criador que é pura bondade?” (AGOSTINHO, VIII, cap. V, 1955)

Foi a leitura dos neoplatônicos que auxiliou Agostinho a ordenar seus pensamentos e idéias no que se refere à fé cristão e a visão de Deus. Contrapondo alguns princípios da fé cristã, com aspectos de seu modo de pensar, conseguiu entender melhor essa ligação, como fala Evans:

Agostinho vê a Deus como Ser (que é também o Uno). Plotino pensa de Deus como o Uno que está acima do Ser. Apesar da diferença fundamental que isso implica no cerne dos dois sistemas, Plotino ajudou Agostinho a perceber mais claramente a transcendência de Deus por sua ênfase na terrível distância do uno. (EVANS,1995, pág. 55).


A argumentação de Agostinho segue considerando que, naturalmente, o mal não provém de Deus, pois um Ser supremo, que criou o mundo do nada, que deu vida a todos os seres, que é infinitamente bom como pode ter criado o mal? O mal ocorre quando as criaturas se afastam da existência, ou seja, o mal não existe propriamente, mas é um não-ser. Tudo é verdadeiro enquanto existe e a falsidade só ocorre quando se toma por existente o não existente. Mesmo as coisas que se corrompem são boas em algumas partes, pois não haveria o que se corromper se fossem totalmente más. Porém, não são como Deus, absolutamente boas, pois se assim fosse seriam incorruptíveis. (AGOSTINHO, VII, cap. 11).
Para Agostinho apenas uma criatura dotada de mente, que utiliza a razão pode agir contra o bem e praticar o mal. Assim a fonte do mal encontra-se na vontade racional, sendo o homem livre para escolher entre o bem e o mal.

Em a Cidade de Deus, Agostinho frisa que a natureza de todos os anjos era igual quando foram criados. As propensões dos anjos bons e maus não surgiram de alguma diferença em suas naturezas, mas da diferença na direção em que usaram suas vontades. Os anjos maus diferem dos bons não por natureza, mas por culpa. (EVANS, 1995, pág. 145)



Dessa forma Agostinho explana que Deus concede a sua criatura usufruir livremente da terra. Para tanto cria o homem a sua imagem e semelhança, essa semelhança é a razão. Deus, conhecedor de todas as coisas, possui a razão infinita. Mas o homem tem sua razão corrompida, e distante da divina. O homem tem um "déficit moral", e por isso não consegue cumprir plenamente a sua natureza de animal racional. (MÄRZ, 1987).
O ponto fundamental para se entender o problema do mal se encontra no pecado original. Adão tinha sua perfeição no paraíso até comer do fruto proibido. O homem vivia no seio da natureza livre de qualquer imperfeição. Para Adão e Eva nada foi negado, nem mesmo o direito de escolher, pelo contrário foram seres abençoados por Deus. Ao deixar-se seduzir pela serpente Eva infringe o único mandamento deixado por Deus, não comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal. A partir de então, ciente do que venha a ser o mal e o bem, pode escolher entre um e outro, tem sua liberdade e com isso pode afastar-se do Bem do Supremo Ser.
Para Agostinho, liberdade seria a capacidade consciente que tem o espírito de querer e procurar acima de tudo o Bem absoluto e perfeito, do modo que este se lhe apresente, e nunca preferindo nada contrário. Aquele que assim age, tem a iluminação de Deus, que do alto, abarca a todos aqueles que o invocam com um olhar. Muitos são chamados, mas poucos escolhidos.
O pecado da humanidade tem então sua causa específica: o livre-arbítrio. Pela perversão da vontade o homem escolhe a privação do ser. Este quadro só encontra redenção em Jesus Cristo, o mediador entre Deus e os homens. O cristão tem de aceitar pela fé o mistério da Trindade, que Jesus Cristo é o verbo encarnado, vindo ao mundo terreno e morto pelos homens, para redimir a humanidade. É preciso, pois, que o homem tenha fé, e acredite em algo além de si e do mundo que vê. É preciso crer em algo invisível. (NOVAES, p34). Sobre esse assunto explana Evans:

O mal mudou os homens tão radicalmente que eles se tornaram mortais. Ele arruinou os anjos que caíram. Deve ser temido porque distorce as boas criaturas de Deus, deixando soltos no mundo seres prejudicados que são ativamente malevolentes, exercendo suas vontades para o mal com terrível energia, fazendo o negativo parecer positivo pela força de seus desejos. Devemos, portanto, temer, não uma abstração, mas a terrível “treva angélica” , treva personificada, as criaturas mais brilhantes privadas da luz e visando destruição.(EVANS, 1995, pág. 150).


Agostinho diz que o homem, antes do pecado original foi feliz. Ainda há resquícios desta felicidade. A partir do momento que o homem passa a buscar Deus a felicidade poderá ser alcançada, é apenas através dele que o homem atingirá a verdadeira felicidade. Como diz Agostinho, "Tarde Vos Amei, Senhor", pois sem que ele o soubesse, Deus sempre esteve presente em sua vida, e sua desesperança só teve fim quando retornou à Deus, ou quando se lembrou de Deus. (MÄRZ, 1987)
Com este preceito a teoria agostiniana de reminiscência afasta-se da teoria platônica, sendo que na platônica, a alma contempla as formas eternas antes de nascer, em outro mundo. Já para Agostinho a contemplação da luz divina não é uma lembrança da vivência anterior da alma, mas uma irradiação presente. Deus ilumina o intelecto com sua luz, tornando-o capaz de conhecer segundo sua ordem natural. (NOVAES, 1997).
Segundo Agostinho, todos os homens desejam ser felizes, mas a verdadeira alegria só vem de Deus. A matéria, a carne e seus apelos, podem causar confusão nos homens sobre aquilo que pode fazer, mas não aquilo que realmente quer fazer. (NOVAES, 1997). “A felicidade prove de Deus porque Deus é a verdade das coisas. Felicidade e verdade são congruentes. A verdade é uma só e Deus a sua fonte. Para Agostinho: “

A Glória deve medir-se pela aprovação de Deus, e não pela aprovação dos homens, e não se pode ter em sua plenitude nesta vida. Estes dois princípios tornaram-se fundamentais para a visão de Agostinho da felicidade. Aprendeu a medi-la não por medida humana, mas divina, e a não esperar gozar plenamente dela do lado de cá do céu.
...uma mente infeliz é a mente a que falta algo...ser feliz é estar longe da “insensatez’. Ser feliz é ser sábio. Ser feliz é buscar a sabedoria. Ser feliz é buscar a verdade. Ser feliz é buscar a Cristo. (EVANS, 1995, pág.224/225).


Ou como diz em Diálogo sobre a Felicidade:


(..) E, de igual modo, mesmo que Deus nos ajude, ainda não somos sábios nem felizes. Assim, a plena saciedade das almas, a vida feliz, consiste em conhecer com perfeita piedade quem nos guia para a verdade, que verdade fruir, e através de quê nos unimos com a suprema medida. Banidas as várias superstições da vaidade, estas três coisas revelam-nos a compreensão de um só Deus e de uma só substância. (CARVALHO, S/D, pág. 87).

A felicidade na Terra encontra-se na forma correta de usar o livre-arbítrio, generosamente concedido por Deus. Fazendo bom uso dele o homem viverá em paz, sabedor de alcançar a graça divina. Para encontrar a verdade, precisa purificar sua alma, livrando-se principalmente do orgulho e da soberba, das comoções da carne, seguindo exemplo de Jesus Cristo que morreu para salvar o homem do pecado original.
Na obra, Diálogo sobre a Felicidade, Agostinho explana muito bem o que o ser humano deve fazer para alcançar a felicidade. Segundo ele, é ímpar buscá-la nas coisas permanentes, absolutas, e não nas incertezas, nas coisas que dependem das circunstâncias, do acaso. (CARVALHO, S/D). Haja vista que as coisas que vem ao acaso perdem-se com facilidade trazendo a infelicidade ao seu portador, ao contrário, aquele baseia sua felicidade em algo permanente, que não se acaba, esse sim será feliz. Assim diz Agostinho:

Ora, as coisas que dependem das circunstâncias do acaso podem perder-se, daí que quem as ama e as possui não pode, de modo nenhum, ser feliz.
...—Mas não te parece — perguntei-lhe eu —, que é feliz aquele que vive na abundância e cercado de todas essas coisas, mas impõe um limite ao seu desejo e que satisfeito com elas, as goza de forma mais completa, conveniente e agradável?
...Portanto, não duvidamos de nenhum modo que quem determina ser feliz deve adquirir o que é sempre permanente e não pode ser destruído por nenhum revés da fortuna. (CARVALHO, S/D, pág. 41/43).

Através dos estudos de Agostinho sobre a felicidade e da busca do problema do bem e do mal, confirma-se sua grandiosa fé em Deus. A conclusão de Agostinho para viver bem e alcanças a felicidade está na busca da sabedoria, mas só a encontrará quem buscá-la em Deus. Deus é o único meio de se chegar à felicidade.
Ao homem cabe viver dentro dos preceitos éticos, seguindo as determinações de Deus e principalmente descobrir em Cristo o meio para se chegar a Deus e adquirir a graça de ser feliz. (CARVALHO, S/D).
As idéias de Agostinho fundem-se com os ideais do cristianismo, sendo que para Agostinho a verdade e a felicidade só podem ser encontradas em Deus. Na visão de Agostinho Deus concedeu ao homem o livre-arbítrio para decidir voluntariamente pelo bem, não o obrigando a fazer o bem. Ao agir contrariamente ao bem o homem dá origem ao mal. Assim Deus é eximido de toda a culpa de o mal ter tomado lugar no mundo. Comprova-se pela teoria de Agostinho que Deus é um ser de infinita bondade, sendo assim seria impossível ter partido dele o mal existente.
Esse paradigma criado por Agostinho comprova também a contestação agostiniana referente as idéias maniquéias, sendo que os maniqueus pregavam o dualismo entre o bem e o mal, ou seja, Deus caracteriza-se pelo bem e o mal é personificado por Satanás. Santo Agostinho propõe uma visão contrária; só há um princípio, Deus – o Sumo Bem. Enquanto para os maniqueus o homem já nasce bom ou mau, para Agostinho ele é sempre um bem, que torna-se mau quando contraria o bem pelo uso do livre-arbítrio.
Portanto, para Agostinho não existe um ser superior, divino ou não, que faz com que o mal aconteça no mundo. O mal está nas mãos do próprio homem que, não fazendo o bem, deixa-o nascer e tomar forma.
Mesmo o livre-arbítrio sendo o responsável pela aparição do mal, Agostinho o defende como um bem supremo doado aos homens pela graça divina. Ao tornar o homem livre para agir conforme sua vontade Deus mostra mais claramente sua bondade e seu amor para com os homens. É através do ato de seguir a Deus livremente que o homem pode alcançar a verdadeira felicidade.

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